O DILEMA DO KOBAYASHI-MARU E OS SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA
Minha filha querida, formada em psicologia pela Sorbonne, mora e trabalha em Strasbourg na França, onde concluiu o mestrado.
A tecnologia permite nos comunicarmos com ela diariamente, para sabermos se está tudo bem. Nesses últimos dias estamos meio apreensivos porque greves violentas contra as reformas na previdência social vêm se espalhando pelo país.
A França, assim como todos os países no mundo, vem resolvendo o impacto do aumento da longevidade na previdência social com aumentos sucessivos da idade de aposentadoria.
Lembram da reforma de 2019 no INSS, que postergou no Brasil a idade de aposentadoria para 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres)?
Essa prática é semelhante a uma corrida de obstáculos, na qual a linha de chegada é movida para frente sempre que algum corredor se aproxima da vitória.
É, também, um exemplo típico do Dilema do Kobayashi-Maru.
O Dilema do Kobayashi-Maru
No filme Star Treck II, de 1982 da Paramount Studio, intitulado “The Wrath of Khan” (trailer abaixo), o treinamento dos pilotos era feito com um simulador.
No treinamento eram apresentadas duas alternativas para os trainees de piloto: (a) tentar salvar uma nave civil (a Kobayashi-Maru), perdida em território hostil - tomada por bandidos – enfrentando destruição e morte garantidas; ou (b) deixar os civis morrerem, conflitando diretamente com sua missão, tendo que conviver para sempre com suas consciências pesadas.
O Dilema do Kobayashi-Maru é um exemplo típico de situação perde-perde, ou seja, sem vencedores, ninguém ganha, todos perdem.
Claro que nos filmes de Hollywood o mocinho sempre vence, então, os trainees acharam uma maneira de enganar o simulador reprogramando o código da simulação e mudando as condições do teste (sim, eles trapacearam).
Porque diabos, você deve estar se perguntando, deveríamos nos importar com essa história toda?
Bem, porque grande parte dos problemas, tanto com a previdência social quanto com a previdência complementar, tem a ver com inovação e estão entrelaçados com cenários em que ninguém ganha.
O onipresente dilema dos sistemas de previdência
Quanto mais você foi bem-sucedido no passado com uma inovação, menos capaz você se torna de escapar do efeito da passagem do tempo sobre seu sucesso, de se reinventar, de criar outras (e novas) soluções.
Não faça nada e seu negócio se torna obsoleto. Tente inovar e sua própria cultura corporativa lutará ferozmente contra sua iniciativa levando-o, de qualquer maneira, ao fracasso. Uma situação perde-perde.
Caso você duvide do quão dramática é a reação corporativa à mudanças, pode olhar em volta aos inúmeros exemplos dessa situação. O mais recente deles é a reação das montadoras alemãs que estão bloqueando a transição para veículos elétricos prevista para 2035.
No caso dos sistemas de previdência social, uma solução genial do velho Bismark, os remendos empurrando a idade de aposentadoria indefinidamente para a frente são um aviso de que apesar da inovação ter perdido o prazo de validade, os governos são incapazes de surgir com uma nova solução.
É o Dilema do Kobayashi-Maru na veia, perdem os cidadãos que veem a linha de chegada se afastando indefinidamente, perdem os governos com furos gigantescos no orçamento, inquietação e caos social toda vez que se mexe na idade de aposentadoria, enfim, perde todo mundo.
Situação idêntica enfrentam os fundos de pensão, em luta permanente para surgir com um novo modelo de negócios, novos tipos de plano que substituam os BD fechados e os CD que são incapazes de entregar segurança financeira.
Nos fundos de pensão, perdem os participantes, perdem as patrocinadoras, perde a sociedade como um todo.
Então, vamos solucionar o Dilema do Kobayashi-Maru?
Grande abraço,
Eder.
Fonte: “What's your Kobayashi Maru dilemma?”, escrito por Philippe Meda